Não hesito em transmitir belas passagens quer seja pelo conteúdo erudito ou pelo toque humorístico da prosa. Acrescem as indicações de romances de amor que nos deixa a autora.
Aqui fica um extracto de Inês Pedrosa, da Ler de Fevereiro de 2011.
“Oficialmente, terá havido uma grande evolução na segunda metade do século XX, com a emancipação das mulheres e a reivindicação do direito ao prazer – mas desconfio que, por detrás das leis e dos costumes separatistas, muitos milhões de mulheres já haviam descoberto o prazer antes que ele se tornasse lei pública. Creio mesmo que esta moda de trabalhar para o sexo, procurando afanosamente pontos “G” e “H”, debatendo horários e frequências e fazendo do prazer uma incursão alpinista tem criado mais fastio pelo acto do que mil anos de bulas papais contra a luxúria.
Difícil é escrever sobre o amor que o sexo traduz – sobre o sexo enquanto envolvimento erótico, entrega de sonhos, fantasias, vulnerabilidades entre dois seres que profundamente se desejam. Mas só esta escrita interessa, só esta pode ser literatura, experimentação, ampliação da vida. Todos os romances sobre relações eróticas são romances de amor. O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence, é um romance de amor – e de libertação política e social, porque o amor arrasta-nos para a mais lúcida verdade. Casais Trocados, de John Updike, que na época foi considerado um manifesto de libertação sexual, narra uma maravilhosa (e feliz, abençoado!) história de amor. O Fim da Aventura, de Graham Greene, é um romance de amor – um dos mais pungentes romances alguma vez escritos. O Elogio da Madrasta, de Vargas Llosa, é um romance de amor. Henry Miller escrevia sobre amor e ciúme. Até Justine, do Marquês de Sade, é um romance de entrega – e amor.
O sexo, a seco, não dá boa literatura porque também não dá boa vida. É demasiado mecânico, desprovido de imaginação. Caetano Veloso fez uma canção camoniana a partir da expressão portuguesa do êxtase: “Estou-me a vir / e tu, como é que te tens por dentro / porque não te vens também?” Chocou muitas mentalidades lusitanas, porque o que escandaliza não é que as pessoas troquem fluidos, mas que ousem vir a si através do corpo do outro.
Fazer amor não é para todos. Mas quando os corpos se acendem através do amor ultrapassam o tempo – essa tíbia e ansiosa colecção de momentos a que vivemos agarrados como a um corrimão – e tornam-se conhecedores, mais do que de si mesmos, de tudo o que há para saber no mundo. E isso, sim, é literatura. Porque não morre.”
Carla